terça-feira, 27 de outubro de 2009

Trancrições noturnas #05


(...) "Ah, it was a fine night, a warm night, a wine-drinking night, a moony night, and a night to hug your girl and talk and spit and be heavengoing. This we did. She was drinking little fool and kept up with me and passed me and went right on talking till midnight. We never budged from those crates. Occasionally bums passed, Mexican mothers passed with children, and the prowl car came by and the cop got out to leak, but most of the time we were alone and mixing up our souls ever more and ever more till it would be terribly hard to say good-by. At midnight we got up and goofed toward the highway."

Trecho de On the Road (Jack Kerouac)

sexta-feira, 23 de outubro de 2009



Chego, entro e me deito e peço para tudo se acalmar. Vejo o céu da janela depois de abrir a cortina. Tudo parece caótico e o céu está cheio de nuvens escuras que se movem rapidamente, nuvens carregadas que, por um breve instante, consigo comparar ao meu estado de espírito. Peço para tudo parar. Tenho vontade de ficar deitado, quieto, mas estou inquieto e corro para anotar essas impressões que passam rápido como as nuvens. Fotografo o céu para compará-lo, depois, com o texto que vou produzir, em mais uma analogia. O texto, supostamente, deveria expressar meu estado de espírito. Não se trata simplesmente de um texto: desde o início tinha em mente escrever uma carta para você, apesar de achar a ideia um pouco esquisita. Muitas ideias estão passando pela minha cabeça. Isso sempre acontece, especialmente quando tenho um dia cheio de coisas cujos sentidos não significam nada para mim. Não se trata de não compreender o sentido das coisas cotidianas, dos assuntos de trabalho, dos objetivos da existência material, de manter a casa, o corpo, a vida em ordem. Diria que consigo aplicar um sentido razoável, bastante claro, a tudo isso. Passa, na verdade, é que sinto - bem nitidamente, muitas vezes - que este sentido não me significa nada. Resolvo, por um motivo que não é evidente para mim, por para tocar uma coletânea do Caetano (que contém a canção abaixo. (O disco não é destacado ou famoso em sua obra, tampouco a canção.) Soa perfeito. É bem o que queria ouvir e faço nova analogia: da canção com meu estado de espírito. As coisas continuam passando freneticamente pela minha cabeça, os temas são muito variados, são mundanos e metafísicos. Nunca consigo conviver bem quando isso acontece. É angustiante. (Aqui - nesta parte do texto - tinha tentado dar exemplos dos pensamentos, das ideias e dos temas que vem à mente em convulsão, mas não parece nada próximo de como sinto realmente. Assim, incapaz de descrever isto, revoguei a ideia e apaguei os exemplos.) Umas coisas que cogito é fumar um pouco para relaxar. Não faço, deixo para depois. Tento me aliviar batendo nas teclinhas e vendo letrinhas surgirem na tela. É bem menos eficaz que o Caetano. A descrição que faço agora não condiz cronologicamente com os fatos.
Chego, entro e me deito e peço para tudo se acalmar.
É claro que não começo a escrever de imediato, distraio-me com outras tarefas pouco importantes, sentado ao computador. Aos poucos, a necessidade de anotar impressões e a aflição esmaecem bastante. Mas voltam logo quando começo a escrever. A verdade é que estou bem decidido a elaborar um texto sobre isso - um texto que é mais uma vontade mandar uma carta, bem mais do que uma vontade de ouvir uma música do Caetano. Uma vontade de pedir silêncio ao mundo para que eu possa mandar uma carta e não pensar em mais nada: finalmente para conseguir conceber a linda ideia de entrar no espaço dessa carta - um espaço que vejo branco, limpo, claro, silencioso, só com as pautas e com as linhas escritas - para te esperar. Te esperar, esperar dentro da carta.





Noite de hotel

Caetano Veloso

Composição: Caetano Veloso

Noite de hotel
A antena parabólica só capta videoclips
Diluição em água poluída
(E a poluição é química e não orgânica)
Do sangue do poeta
Cantilena diabólica, mímica pateta

Noite de hotel
E a presença satânica é a de um diabo morto
Em que não reconheço o anjo torto de Carlos
Nem o outro
Só fúria e alegria
Pra quem titia Jagger pedia simpatia

Noite de hotel
Ódio a Graham Bell e à telefonia
(Chamada transatlântica)
Não sei o que dizer
A essa mulher potente e iluminada
Que sabe me explicar perfeitamente
E não me entende
E não me entende nada

Noite de hotel
Estou a zero, sempre o grande otário
E nunca o ato mero de compor uma canção
Pra mim foi tão desesperadamente necessário

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Os meninos


Luís Castro chegou em casa e disse:
- Toma lá, meninos. Uma poesia para você, uma para você, e outra para você. Não coma tudo antes do jantar...
Os meninos espiavam com os mesmos olhinhos inteligentes de quando seu pai chegara com o grande quadriciclo elétrico, na semana passada - com os olhinhos inteligentes de sempre. Seus nomes são Guilherme, Caio e Richard, do mais velho para o mais pequeno, respectivamente, ou, como costuma ser natural na infância, do maior ao menor. Eles formam uma escadinha, quando ficam lado a lado.
O quadriciclo elétrico fora dado a Castro por uma moradora do prédio onde ele trabalha. O brinquedo, no entanto, está sem as baterias que o torna um pequenino automóvel e, por enquanto, até que o pai possa comprá-las, os meninos vão usá-lo é pedalando ou empurrando mesmo.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Mero devaneio sobre figuras públicas e funções sociais





Barack Obama está para a política como Denzel Washington está para o cinema.









Martin Luther King Jr. está para a política como Jimi Hendrix está para a música.



terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um gênio lilás e amarelo





Vi um gênio lilás e amarelo. Diante da cena, eram ilimitados adjetivos para definir o que presenciava - vendo, ouvindo e sentindo. Mas um homem de cabelos grisalhos recebia, vinda de cima, uma forte iluminação da cor lilás; pela frente, iluminando sua camisa desbotada e refletindo nos óculos de grau, vinha uma luz amarela. Era um homem lilás e amarelo, que cantava.

Alguém com a rara possibilidade pessoal de se contaminar. Ele se contamina com o que vê, ouve e sente, e atravessa tudo de poesia (nem sempre bela, mas eloqüente, como uma limitação). Uma profusão de idéias, apelos, vigor e carinho. De repente, um homem que se descobre velho, solteiro, frágil e pleno se renova, quase adolescente, derramando corajosamente na arena o plástico do absurdo. Tem sido assim há muitos anos: ele capitaliza conceitos, debates, traumas, conflitos desta sociedade que se olha pouco. O ato de tentar manter-se permanentemente jovem é pura coragem. "Você nem vai me reconhecer quando eu passar por você". Ele pede lágrimas e carinho.

Alguém que tem suas páginas com todos os desenhos - renascentistas, gravuras, aquarelas, grafites, rabiscos, animados - qual um velho caderno. Impressionante são as novas páginas, imaculadamente brancas, que brotam no final deste livro moderno e vivo. Ele dançava. Movia os pés como se por debaixo deles passasse a esteira da vida mortal, bela e trágica. Ele caminha sobre ela com leveza e sensibilidade. E deixa ter suas páginas pintadas, desenhadas, rabiscadas, pichadas e coloridas. Ele vê mais. Ouve mais. Sente mais.

Alguém que se despoja mas, estranhamente, não se exila do real. Impossivelmente real. Constrói musas híbridas vivas de carne, músculos e mucosa roxa; deusas urbanas que fazem o céu desabar sobre nós. Expõe os ossos da fraqueza nossa. Declara amor. Estranhamente machista. Impossivelmente real. Feminista. Paradoxal. Enfrenta o ridículo à parte dos olhares críticos e em função dele mesmo e do outro e de nós.


Alguém de quem o olhar é essencialmente lírico. Ele ocupa-se de tudo que desmente esse país. Ele é sonhador. Magro, vaidoso e funkeiro. Panegírico. Imenso, estético e rápido. Desolador e complexo. Patético, tosco e esquisito. Carismático. Resplandecente, nítido e real. Não se arrepende. Ele é como o vento. Vi, estava lá. Um gênio. Era lilás, amarelo e tudo mais...


Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2006.