terça-feira, 6 de outubro de 2009

Um gênio lilás e amarelo





Vi um gênio lilás e amarelo. Diante da cena, eram ilimitados adjetivos para definir o que presenciava - vendo, ouvindo e sentindo. Mas um homem de cabelos grisalhos recebia, vinda de cima, uma forte iluminação da cor lilás; pela frente, iluminando sua camisa desbotada e refletindo nos óculos de grau, vinha uma luz amarela. Era um homem lilás e amarelo, que cantava.

Alguém com a rara possibilidade pessoal de se contaminar. Ele se contamina com o que vê, ouve e sente, e atravessa tudo de poesia (nem sempre bela, mas eloqüente, como uma limitação). Uma profusão de idéias, apelos, vigor e carinho. De repente, um homem que se descobre velho, solteiro, frágil e pleno se renova, quase adolescente, derramando corajosamente na arena o plástico do absurdo. Tem sido assim há muitos anos: ele capitaliza conceitos, debates, traumas, conflitos desta sociedade que se olha pouco. O ato de tentar manter-se permanentemente jovem é pura coragem. "Você nem vai me reconhecer quando eu passar por você". Ele pede lágrimas e carinho.

Alguém que tem suas páginas com todos os desenhos - renascentistas, gravuras, aquarelas, grafites, rabiscos, animados - qual um velho caderno. Impressionante são as novas páginas, imaculadamente brancas, que brotam no final deste livro moderno e vivo. Ele dançava. Movia os pés como se por debaixo deles passasse a esteira da vida mortal, bela e trágica. Ele caminha sobre ela com leveza e sensibilidade. E deixa ter suas páginas pintadas, desenhadas, rabiscadas, pichadas e coloridas. Ele vê mais. Ouve mais. Sente mais.

Alguém que se despoja mas, estranhamente, não se exila do real. Impossivelmente real. Constrói musas híbridas vivas de carne, músculos e mucosa roxa; deusas urbanas que fazem o céu desabar sobre nós. Expõe os ossos da fraqueza nossa. Declara amor. Estranhamente machista. Impossivelmente real. Feminista. Paradoxal. Enfrenta o ridículo à parte dos olhares críticos e em função dele mesmo e do outro e de nós.


Alguém de quem o olhar é essencialmente lírico. Ele ocupa-se de tudo que desmente esse país. Ele é sonhador. Magro, vaidoso e funkeiro. Panegírico. Imenso, estético e rápido. Desolador e complexo. Patético, tosco e esquisito. Carismático. Resplandecente, nítido e real. Não se arrepende. Ele é como o vento. Vi, estava lá. Um gênio. Era lilás, amarelo e tudo mais...


Rio de Janeiro, 21 de dezembro de 2006.

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