sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Vigilância


Metrô de Santiago, Chile. 15.11.2015

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Transcrições Noturnas #08



"Assim como a fúria desvairada de um cão que cravou os dentes na perna de um veado já morto, sacudindo e puxando a caça já abatida, de forma que o caçador desiste de acalmá-lo, agarrei-me a uma visão, a imagem de um grande barco a vapor atravessando uma montanha -  o barco na névoa sendo puxado, por si só, por uma roldana morro acima, dentro da selva, e atravessando uma natureza que aniquila igualmente os lamentosos e os fortes, voa alto a voz de Caruso, que emudece toda a dor e todos os ganidos dos amimais da floresta e sobrepõe-se ao canto dos pássaros. Melhor dizendo, o grito dos pássaros, pois nessa paisagem, inacabada e abandonada por Deus em sua ira, os pássaros não cantam, eles gritam de dor; e árvores, confusas, agarram-se como gigantes em uma batalha, de horizonte a horizonte, na névoa de uma criação que aqui não foi acabada. Ofegando névoa e exaustas, elas estão nesse mundo irreal, em uma miséria irreal - e eu, como em uma estrofe de poema em uma língua estrangeira que não compreendo, encontro-me profundamente chocado ao seu lado".


Prólogo. A Conquista do Inútil. Werner Herzog. 

Minha Lua


Há um ano, perto do mesmo horário em que me despertei hoje - algum infame minuto da sétima hora do dia, recebia a notícia da boca árida do homem que me gerou: "- Não teve jeito". 
Há um ano, perdi em definitivo a possibilidade de encostar em sua pele quente; quente de um calor que vinha de dentro de seu corpo, perpassado daquilo que perpassa a todos nós (por ora), mas é tão inefável; em mais um punhado de horas não haveria nenhum toque de pele, nem mesmo na pele fria de antes do adeus. 
A sua vida se tinha lhe escapado, ou a morte dela tinha se apossado - o que deseja ver na luz a falta de escuro, assim vê -, de qualquer modo, tanto faz. Febris foram seus últimos dias, enquanto a medicina profanava a decência a combater infecções. Débeis e desalmados esforços... Febril foi seu amor à vida. Mãe, irmã, irmã da minha mãe, mãe da minha irmã, mãe da minha mãe, minha mãe.
Há um ano, ela passou a morar dentro de nós e na sua casa não mora mais ninguém. A pessoa só morre definitivamente quando ninguém mais se lembrar dela, diz um caro irmão. Quando morrer o último que dela se lembrava, aí terminou. Um consolo. Menos reconfortante do que as narrativas religiosas, mas o que mais poderia esperar um agnóstico?
Um ano depois, estou refeito. Refeito de lembranças que agora me compõem, esmoreço. Esmoreço e deixo a saudade entrar: refaço-me.