sexta-feira, 27 de maio de 2011

Como dizer...



Ser é estar. Um girassol da cor dos seus cabelos. Flor. Laço. Junto as imagens que me acercam e vou para o meu quintal dos fundos. O meu jardim. Tecido mais fino e bonito e íntimo. Mais sólido e puro e firme e jovem e vivo e mais sutil e frágil e doce e gentil e honesto. É feito uma verdade. Mais intenso que uma especulação filosófica, que uma investigação científica, que uma timidez de fazer número dois no banheiro quando ela está em casa, que a vibração de completar o drible e, em seguida, acertar o chute, que o abatimento face à enfermidade. Mais lindo que estar num mirante, mirando. Não mais intenso que uma dor. É como uma dor. E raro, como um rubi, que dizem ser preciosa pedra - rara porque nunca vi. O silêncio na sua impossibilidade. É como um amor. Amor em forma de saudade. Flor do encontro. Janela do céu.

sábado, 7 de maio de 2011

É só um elogio à música, com um pouco de auto-análise



Se o cara escolher uma data para morrer, ele morre. É verdade: tenho andado com algum medo da morte e sido um pouco religioso. O cara pode morrer de muitas formas. Mas tem uns caras que andaram escolhendo morrer. Anunciando seu fim. Esta se torna a questão central da existência do sujeito. A maioria escolhia a data, mas uns escolhiam o lugar e alguns menos escolhiam um modo.
Os que marcam a data transformam em bandeira a certeza do fim. Gláuber Rocha prometeu morrer com 42 anos. A esta idade, já tinha feito bastante pelo cinema brasileiro. (Se eu ainda quiser correr atrás, digo que vou morrer aos 78 de idade e tenho a vida do Gláuber pela frente, com mais 10 anos de bônus!...) Fala-se numa maldição dos 27 - os 3 J - Jimi (Hendrix), Janis (Joplin), Jim (Morrison). Os três, aos 27 anos, já tinham feito bastante pela música. Escolheram morrer? Morreram?
Alguns escolheram um lugar para morrer. Não é difícil tentar rememorar pessoas deste tipo. Radicais: que fincam raízes. Não abandonam a terra. Existem tantas terras. Tantos lugares onde se viver e defender. Geograficamente definíveis ou não. Republicanos, conjurados, insurreitos, comunnards.
Os que escolhiam o modo são os mais difíceis de encarar, mas se estiver diante do túmulo deles, você chora. Chora sem saber porquê. Estes só tocam no seu tecido mais fino e bonito e íntimo. Estive na frente do túmulo de Jean-Paul Sartre e chorei. Chorei sem saber porquê. Não o conhecia. Havia uma mulher - a Simone, enterrada junto com ele. Senti que chorava por ela também. Como não podia chorar por eles (isso quem não sabia?), chorei pelo meu tio. Mas não estou seguro se nenhum dos dois - Sartre e meu tio - escolheu um modo de morrer.
Che escolheu um modo? Ou uma terra? Há um lindo poema atribuído a ele (com controvérsias), nos últimos dias na selva boliviana:

Cristo, te amo

No porque bajaste de una estrella
Sino porque me revelaste
Que el hombre tiene lágrimas
Congojas
Llaves para abrir las puertas cargadas de luz
Sí... tú me enseñaste que el hombre es Dios
Un pobre Dios crucificado como tú
Y aquel que está a tu izquierda en el
Gólgota El Mal Ladrón
También es un Dios!"


Digo coisas que me assustam. Não é fácil andar por estes caminhos escuros. A aventura do futuro. O resto de uma vida. Não. Não se trata disso. Isso é chegar na capoeira da história pelos fundos. Saber seu fim é saber que você está vivo. Com que idade gostaria de morrer Mahatma Gandhi? Onde? Isso quem sabia? Ele falava disso?
Como para os místicos tudo pode ser lido como um sinal, tentemos deixar a religião de lado: pense numa banda. Quanto tempo uma banda precisa durar? Quantos discos precisa gravar? Quantos discos você precisaria ouvir dos Secos e Molhados? Quantos dos Novos Baianos? Quantos do Clube da Esquina? Quantas vezes, quantos fonogramas, para saber que houve um milagre?
Fique calmo, rapaz.