terça-feira, 8 de junho de 2010





Olhei no espelho e vi um cabelo saindo da minha orelha. Coisa esquisita. Era um único longo fio negro, como um pelo de barba nascido no lugar errado. Aí pensei na cadela que temos mãe e eu: Nina. Ela tem orelhas esplêndidas. Incrivelmente pontiagudas são aquelas antenas, quase sempre em riste. São orelhas peludas. Só mesmo bem perto do orifício do ouvido os pelos começam a rarear. Nina é desenhada para ouvir aguçadamente, correr velozmente, trucidar animais menores, devorar pedaços de carne, estar protegida de temperaturas invernais, mas, amigada ao ser humano, praticamente não usa seus atributos de predadora canina.
Vi então minha barba. Embora tremendamente falha, sua presença sugere que, se fosse necessário, os pelos cobririam muito mais e melhor o meu rosto, protegendo-o de danos na pele e do frio. Nossos ancestrais eram homens muito peludos. Exceção feita dos mamíferos que foram viver na água - as baleias, os golfinhos, os botos, as ariranhas, as focas -, todos os mamíferos são peludos. Leões-marinhos e peixes-boi mantem ainda uma franja tosca, como nós. Tudo indica que funcione assim: se uma espécie não tem mais necessidade de pelos para sua sobrevivência, vai deixando de produzi-los a fim de não desperdiçar energia para sua preservação. A Natureza é econômica. Hodiernamente, nos escritórios, diria-se que a Natureza racionaliza recursos.
Não tínhamos mais necessidade de pelos cobrindo os corpos. (Ilustre-se tal refinamento no processo descrito para chegarmos finalmente à pele de uma mulher - seu dorso, pernas, seios, ventre.) Não precisamos mais dos nossos cabelos. E não precisaremos mais dos dentes cisos, e logo de dente nenhum. Não teremos mais unhas. Garras não mais nos servem para nada. Seremos a humanidade Simpson. (Já há muitos destes novos seres por aí.)
Tanta divagação sobre temas atinentes à Biologia surgiu de uma consternação. Severa, creio. A notícia do ataque ao navio no litoral da Faixa de Gaza é daquelas que impõem grades em volta de mundos individuais. Desesperança. Para onde correr? Onde fica a saída? Como é possível que nos consideremos tão diferentes entre si, capazes de abranger com nossos tempos de homens o tempo da Humanidade? E alcançar ainda o Tempo da Natureza? (Esta talvez queira só ensinar a não ter pressa.) Planejar aniquilar pessoas, e realizar o plano. Formular políticas, baixar decisões coordenadas em muitos níveis, contar com a anuência de um sem número de pessoas, para invocar a morte.

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