segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Semente


"Numa noite chuvosa de domingo, ele e ela se reencontram no sofá da casa dos pais dele.

O bairro, Flamengo. A casa, vazia.
...

Ela: Você tem cara de príncipe, sabia?

Ele: Isso é um elogio?

Eles riem.

...

Fim".

as.trá.ga.lo

sm (gr astrágalos)

a) Anat Osso do tarso que, de um lado, articula com a tíbia, e, do outro, com o calcâneo e o escafóide.


b) Arquit Moldura circular, em forma de pequenas bolas enfiadas, com que se orna a parte superior do fuste de uma coluna.

c) Artilh Ornato em forma de filete que rodeia o canhão, junto à boca.

d) Bot Gênero (Astragulus) de ervas e arbustos da família das Leguminosas, caracterizados pelo estandarte estreito da corola, a carena obtusa e a fava carnosa ou papirácea não inflada.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Liberdade


Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te,
Dominadora, em férvido transporte,
Direi que és bela e pura em tôda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista fôrça humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dôr,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.


São Paulo, Presídio Especial, 1939

Carlos Marighella

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Transcrições Noturnas #06



- "MUNDO, mundo, vasto mundo"!
- "Grito imperioso de brancura em mim"!
- "Meu carnaval sem nenhuma alegria"!
De súbito, um deles sugeriu:
- Vamos subir no Viaduto?



Hugo era o mais ágil: galgava o parapeito com presteza, corria sobre a estreita fita de cimento, a trinta metros do solo, como se andasse em cima de um muro. Curvado, subia o grande arco que se elevava, abrupto, sobre a própria amurada. Eduardo subia do outro lado. Lá em cima se encontravam, equilibristas de circo, passavam um pelo outro, vacilavam, ameaçavam cair. Mauro ainda não tivera coragem; os dois se sentavam na viga de cimento armado suspensa no espaço, balançavam as pernas no ar, gritavam para ele:
- Sobe, carcamano!
- "Mijemos em comum numa festa de espuma"!
Naquela noite Mauro se animou a subir. Quando se viu largado no vazio, tendo sob os pés apenas meio metro de cimento e lá embaixo, muito embaixo, os trilhos da estrada de ferro a brilhar, um trem passando exatamente naquele instante, não resistiu à vertigem. Deitou-se de bruços, agarrou-se com força, dilacerando as unhas na superfície áspera, pôs-se a chorar:
- Não desço mais. Pelo amor de Deus me tirem daqui. Chamem o Corpo de Bombeiros!


Trecho de "O Encontro Marcado", de Fernando Sabino

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Barbearia





Começou assim: na esquina da Almirante Barroso com a Avenida Rio Branco, caminhava reto, passos certos, que em algo remetiam ao andar de seu pai. O horário de verão deixava que ele visse a luz do dia quando saía do trabalho e, é preciso admitir, podia assistir inclusive ao sol se por nas costas das montanhas da Tijuca. Mas, nesse dia, havia o sol e havia também uma chuva, constante, confusa. E refrescante. Era o fim de um dia tropical. Basta imaginar esta combinação para saber que o desenho se formava em tons de amarelo.

Ainda bem próximo ao edifício prateado, no início da caminhada, pareceu-lhe que vira uma menina conhecida. Logo distraiu-se com a boa música que vinha dos fones de seu walkman. Passou pela Catedral e seguiu.

De repente, como se não fosse inusitado que estivesse ali, apareceu uma moça que vinha de sua cidade (da cidade em que nascera, não na que tinha sido criado e que, esta sim, era sua). Tinha sido namorada de seu amigo; poderia ter sido sua. Foi até ao outro lado da rua e fez questão de lhe cumprimentar.
Ela comia chocolates. E ensinava seu colo a ser ainda mais feminino. Se não fosse parecer mentira, dir-se-ia que o telefone portátil dela tocou e era ele, o amigo. Audioconferência telepática.
O tempo seguiu sol e chuva, aquilo perdurava.

Chegou num ponto em que não esperava encontrar a mais ninguém. E ia numa missão ignóbil: encarar seu rosto em um espelho de cabeleireiro, na Rua Frei Caneca. Foi quando viu a moça a quem julgara ter visto próximo ao Largo da Carioca. Era ex-namorada de seu amigo, como poderia ter sido sua.
- Psiu, fez, mesmo sabendo que não se deve chamar ninguém assim.
Havia decidido não fazer esforço para tratar bem algumas pessoas, e guiava sua escolha por razões aleatórias. Chamou-a pelo nome, para fazê-la parar. A chuva continuava, amarela; ela parou.
Trocaram palavras amistosas, mas um tanto desajeitadas. Falaram de seu amigo e de como é comum que se encontrem, por acaso. O telefone não tocou na hora, desta vez. Quem sabe houvessem trocado - ela e o amigo - algumas mensagens, antes ou depois daquele encontro casual.

Quando chegou na porta do salão de cabeleireiros, ainda chovia. Ficou com preguiça: aquilo tudo era muito estúpido, ter de sentar numa cadeira diante do espelho para ter os pelos da cabeça aparados por alguém; se vivesse antes iria numa barbearia, hoje vai a um salão de beleza unissex; tudo estúpido, tudo ridículo, tudo sutilmente inútil.
Deixou para outro dia a árdua tarefa de encarar no espelho a si, ao pai, aos amigos.