quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Transcrições Noturnas #06



- "MUNDO, mundo, vasto mundo"!
- "Grito imperioso de brancura em mim"!
- "Meu carnaval sem nenhuma alegria"!
De súbito, um deles sugeriu:
- Vamos subir no Viaduto?



Hugo era o mais ágil: galgava o parapeito com presteza, corria sobre a estreita fita de cimento, a trinta metros do solo, como se andasse em cima de um muro. Curvado, subia o grande arco que se elevava, abrupto, sobre a própria amurada. Eduardo subia do outro lado. Lá em cima se encontravam, equilibristas de circo, passavam um pelo outro, vacilavam, ameaçavam cair. Mauro ainda não tivera coragem; os dois se sentavam na viga de cimento armado suspensa no espaço, balançavam as pernas no ar, gritavam para ele:
- Sobe, carcamano!
- "Mijemos em comum numa festa de espuma"!
Naquela noite Mauro se animou a subir. Quando se viu largado no vazio, tendo sob os pés apenas meio metro de cimento e lá embaixo, muito embaixo, os trilhos da estrada de ferro a brilhar, um trem passando exatamente naquele instante, não resistiu à vertigem. Deitou-se de bruços, agarrou-se com força, dilacerando as unhas na superfície áspera, pôs-se a chorar:
- Não desço mais. Pelo amor de Deus me tirem daqui. Chamem o Corpo de Bombeiros!


Trecho de "O Encontro Marcado", de Fernando Sabino

3 comentários:

Rômulo disse...

O medo é um sentimento estranho.

Mari Faria disse...

Eu tive o prazer de conhecer Mauro, Hugo e Edudardo Marciano...


Saudade de todos.

Uh disse...

O cair em si é tanto um tapa na cara que desequilibra o resto...