quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

Barbearia





Começou assim: na esquina da Almirante Barroso com a Avenida Rio Branco, caminhava reto, passos certos, que em algo remetiam ao andar de seu pai. O horário de verão deixava que ele visse a luz do dia quando saía do trabalho e, é preciso admitir, podia assistir inclusive ao sol se por nas costas das montanhas da Tijuca. Mas, nesse dia, havia o sol e havia também uma chuva, constante, confusa. E refrescante. Era o fim de um dia tropical. Basta imaginar esta combinação para saber que o desenho se formava em tons de amarelo.

Ainda bem próximo ao edifício prateado, no início da caminhada, pareceu-lhe que vira uma menina conhecida. Logo distraiu-se com a boa música que vinha dos fones de seu walkman. Passou pela Catedral e seguiu.

De repente, como se não fosse inusitado que estivesse ali, apareceu uma moça que vinha de sua cidade (da cidade em que nascera, não na que tinha sido criado e que, esta sim, era sua). Tinha sido namorada de seu amigo; poderia ter sido sua. Foi até ao outro lado da rua e fez questão de lhe cumprimentar.
Ela comia chocolates. E ensinava seu colo a ser ainda mais feminino. Se não fosse parecer mentira, dir-se-ia que o telefone portátil dela tocou e era ele, o amigo. Audioconferência telepática.
O tempo seguiu sol e chuva, aquilo perdurava.

Chegou num ponto em que não esperava encontrar a mais ninguém. E ia numa missão ignóbil: encarar seu rosto em um espelho de cabeleireiro, na Rua Frei Caneca. Foi quando viu a moça a quem julgara ter visto próximo ao Largo da Carioca. Era ex-namorada de seu amigo, como poderia ter sido sua.
- Psiu, fez, mesmo sabendo que não se deve chamar ninguém assim.
Havia decidido não fazer esforço para tratar bem algumas pessoas, e guiava sua escolha por razões aleatórias. Chamou-a pelo nome, para fazê-la parar. A chuva continuava, amarela; ela parou.
Trocaram palavras amistosas, mas um tanto desajeitadas. Falaram de seu amigo e de como é comum que se encontrem, por acaso. O telefone não tocou na hora, desta vez. Quem sabe houvessem trocado - ela e o amigo - algumas mensagens, antes ou depois daquele encontro casual.

Quando chegou na porta do salão de cabeleireiros, ainda chovia. Ficou com preguiça: aquilo tudo era muito estúpido, ter de sentar numa cadeira diante do espelho para ter os pelos da cabeça aparados por alguém; se vivesse antes iria numa barbearia, hoje vai a um salão de beleza unissex; tudo estúpido, tudo ridículo, tudo sutilmente inútil.
Deixou para outro dia a árdua tarefa de encarar no espelho a si, ao pai, aos amigos.

Um comentário:

Mari Faria disse...

Come chocolates pequena...