quinta-feira, 16 de julho de 2009

A Rua do Russel


A Rua do Russel fica na Glória.
Quando resolvi falar sobre este lugar, pensei até em pesquisar o motivo pelo qual a rua ganhou este nome. Para isso, naturalmente, me serviria do Google num ágil rua+do+russel+rio+de+janeiro+história, que provavelmente me retornaria uma história convincente, com a que me contentaria em publicar. Para quem se interessar, segue um link útil: Google.
Decidi usar somente as informações que já possuía sobre a Rua do Russel, entre as quais a primeira, escrita acima, sobre o bairro onde se situa. Não sei ao certo onde ela começa: se na esquina da praça que acompanha o seu contorno e a Avenida Beira Mar, ou se todo o trajeto que vai do Hotel Glória, passando pelo velho prédio da Manchete, até o Hotel Novo Mundo, já próximo do Museu da República, também é Rua do Russel. Gosto mais desta segunda opção, pois todo o trecho é bonito.
Acho que sei onde ela termina, contudo: junto aos muros do Outeiro da Glória, lançando sua melancolia no caos de um cruzamento perto do Largo da Glória. O Outeiro prescinde de comentários. Só de olhar aquela igreja branca, seus edifícios anexos, árvores e paredões de pedra, já dá vontade de subir lá.
Uma vez eu vi o Outeiro de um ângulo muito legal. Mas numa situação inusitada: o padrasto de uma de minhas primeiras namoradas era dono de motel. Ele era de família espanhola que tinha a tradição no ramo das atividades “moteleiras”. Um belo dia, fui com minha namorada visitar o trabalho de seu padrasto. Ele nos mostrou as suítes simples, as suítes temáticas, a suíte principal que, além de mini-system e piscina, tinha teto retrátil. Eu vi funcionar o mecanismo do teto retrátil, foi bacana. Hoje entendo porque conseguimos visitar a maioria dos quartos na mesma hora. Era no final de um dia de semana, o motel ainda não começara a receber seus visitantes. Passamos ao telhado do prédio (lá dava para ver o teto retrátil de cima). Era uma bela vista do Outeiro, e de toda Marina da Glória e do aterro, naquele entardecer.
Acho que naquela época eu já gostava da Rua do Russel. Reparava na balaustrada de defronte ao Hotel Glória e ficava imaginando quando o mar ia até ali. Ficava imaginando o passeio sob as luzes dos postes em forma de mulher.
Construíram um museu, com cinema e tudo, na praça que é ladeada internamente pela Rua do Russel. Lá é cheio de estátuas, tem uma estátua gigante de São Sebastião, um busto gigante do Getúlio Vargas, em memória de quem foi erguido o museu, e um ou outro busto que não é gigante.



Na Rua do Russel, tem um plano inclinado, para levar ao Outeiro. Ao lado do plano inclinado, fica um dos prédios de apartamentos mais bonitos do Rio.
Parece que logo ali, fica a redação da revista Piauí. Eu nunca li a Piauí. Escuto seus anúncios engraçadinhos no rádio. Uma vez, na casa de alguém, estive com um exemplar nas mãos. Menos do que o formato estranho da publicação, acho não consegui ler mesmo é porque não gosto de ler revistas. As revistas me trazem a impressão de estar lendo alguma coisa velha, já defasada, e, portanto, inútil. Mesmo quando se trata da última edição, sinto que é desperdício de tempo ler aquilo, uma vez que, na semana ou mês seguinte, haverá a mesma quantidade de artigos, notícias e reportagens para se ler outra vez.
Um raciocínio que não faz nenhum sentido, porque perco muito mais tempo lendo romances que foram escritos há décadas, há mais um século, do que perco com as revistas, e não considero isso desperdício de tempo. Se fosse um raciocínio, não faria nenhum sentido. Mas não é raciocínio.
Na Rua do Russel, tem um bucólico estúdio de fotografia que é um dos poucos do Rio que ainda revelam filmes preto e branco. O dono do lugar é o Milán, um velho com jeito de russo, a quem eu nunca vi sem um cigarro na mão. Também não me lembro de ter estado lá sem que o ouvisse falar algo a respeito de bebidas alcoólicas. Outro dia, ofereci para deixar um sinal pelo serviço, ao que ele me respondeu: “se quiser deixar melhor, que eu já bebo um uísque”. Hoje, brincou com um cliente com quem conversava, antes de me atender: “eu estava crente que tu ia pagar uma cerveja, porra!” Não é fácil escutar o que ele diz, pois tem uma voz rouca, bem fraquinha, conseqüência provável da ação dos cigarros e das bebidas alcoólicas em seu organismo.
Então me atendeu. Anotou o preço da revelação de um rolo no envelope pardo e viu que eu estendia uma nota de R$20. Riscou o preço e escreveu “pago”. Foi quando vi que o valor era menor do que tinha pago da última vez, e lembrei de pedir para colocarem os negativos revelados num plástico para arquivar, pelo que eles cobram um valor a mais. Ele então disse:
- Você quer com print file?
- Sim. Quanto fica?
Ele já escrevia no envelope R$2 a mais, “pago”. E eu perguntei:
- Com print file é mais R$2?
- Acho que é mais de R$2, mas que se foda.
E, meio impaciente, me cobrou R$2.
Fiquei pensando que Milán é um bom empresário. Ele tem os clientes certos. Ele não dá a mínima para bobagens hipócritas politicamente corretas, fuma dentro de seu estabelecimento, fala palavrões. Não se importa com os mandamentos de uma ou de outra doutrina de gestão de negócios ou de estratégia de marketing que pretensamente se preocupa com as pessoas, “que coloca o cliente em primeiro lugar”. Doutrinas essas que simplesmente tentam achar um meio de vender alguma coisa a alguém, e que contribuem grandemente para transformar o mundo num lugar mais escroto.
Ele me cobrou a menos, eu teria pago a mais. O cliente do Milán saiu satisfeito com o atendimento, deixando para trás o estúdio fotográfico da Rua do Russel, e logo sua praça, as estátuas, o plano inclinado, o prédio de apartamentos, o prédio da redação da revista, o Outeiro com seus paredões de pedra, naquela tarde de sol entre nuvens.

2 comentários:

Rômulo disse...

Se um dia eu escrever um romance, o personagem estará na Glória. Belo texto.

Unknown disse...

Hoje voltei lá para pegar o filme revelado. Há umas estátuas curiosas naquela praça mesmo. O plano inclinado está funcionando. Quase que subi nele para olhar lá de cima. Na Glória, parece que as coisas tem mais razão de ser. Talvez porque não tenham razão nenhuma...